Na verdade, não há ninguém que, podendo, ao voltar atrás não fizesse quase tudo doutra forma, talvez porque, por mais que nos custe, é preciso falhar para aprender. A diferença é que ou tomamos o sucesso indispensável, ou aprendemos com os erros e nos tornamos sábios.
1. Às vezes, imagino o que temos cá dentro como uma grande cidade de gente atarefada. Os sisudos e os compostos. Os que passeiam nos trejeitos. Os tímidos. Os risonhos. Aqueles onde se guarda uma algazarra. Os façanhudos, claro. Os que se perdem nas horas. Os que rompem com o mundo… Há, em quase todos, qualquer coisa desgarrada que os torna ora arrebatados ora frenéticos e sagazes mas, mais que tudo, adormecidos.
Às vezes, imagino o que temos cá dentro como uma grande cidade de gente atarefada mas, agora, como se fossem livros de histórias. Com pernas, um movimento buliçoso e qualquer coisa de irrelevante pela mão. E, às vezes, quando paro, pergunto porque é que tantas histórias, com tanta gente a passear-se nelas, tornam uma grande cidade (que podia ter vasos nas janelas e mansardas e um homem das castanhas, o cheiro da chuva, uma mãe-de-água a namorar num aqueduto e o som do elétrico arranhando nos carris) num muro, mais ou menos pichado, de silêncios. Às vezes, quando páro, imagino que aquilo que falta a todas as histórias que temos cá dentro é quem as escute. Unicamente.
2. Em cada história há pequenos sofrimentos que as complicam.
Há remorsos. Há melindres. Há rancores. Iras e mágoas. E uma mão-cheia de ressentimentos. Eu acho que é por fazer falta quem nos escute, seriamente, que acabamos todos por mentir (que é uma forma de, querendo um abraço, oferecer um empurrão). Mas o pior não é mentir. Mau de verdade é descobrir que aqueles que pomos à distância das nossas verdades não nos resgatem para aquilo que somos, aceitem enredos contrafeitos de nós e adormeçam com eles. Num mundo amigo das pessoas será proibido contar histórias para adormecer. As histórias – as histórias de verdade – espreguiçam-nos. Dão pernas e um movimento buliçoso a quem vivia adormecendo. E abanam os sisudos e os compostos, os que passeiam nos trejeitos e os outros que rompem com quase tudo. Basta que quem as conta nos escute com os olhos! Como se fossemos um livro e quem nos sente o seu autor.
O pior é que nem sempre que se segura um livro se agarra uma história. Quem a agarra diz-nos, primeiro: «Imagina comigo». Logo mais: «Sente como eu sinto». E, de seguida: «Lê-me! Para que eu te leia». É por isso que as histórias acabam por não ser tão importantes. E muito menos esperem por ser lidas. Na verdade, talvez sirvam para nos encontrarmos no que somos, depois de nos perdermos nelas e em quem as conta para nós. Se forem lidas, simplesmente não eram histórias. Seriam atropelos.
3.A Ana acha que a grande vantagem das crianças passa por não precisarem de um motivo para chorar. Não é verdade que as lágrimas das crianças sejam diferentes das nossas. Aquilo que as distingue é que as das crianças são um aqueduto e as nossas são lágrimas, simplesmente. É isso que faz com que as delas, logo que galgam, pareçam livres e rebeldes. E ninguém se preocupe se tagarelam demais ou que, enfim, se sumam.
Às vezes, eu não sei se aquilo pelo que choramos é uma dor. Acho que não. Acredito que magoa mais o mundo, todo junto, saber sempre um pouco mais que nós. Embora não pareça, talvez cada lágrima seja só um aqueduto. Na verdade, não há ninguém que, podendo, ao voltar atrás não fizesse quase tudo doutra forma, talvez porque, por mais que nos custe, é preciso falhar para aprender. A diferença é que ou tomamos o sucesso indispensável, ou aprendemos com os erros e nos tornamos sábios.
Não me parece que as pessoas, à medida que envelhecem, percam talento para aprender. Perdem - acho eu - a capacidade de fazer de cada erro uma mãe-de-água e duma lágrima um aqueduto. Agem como se não pudessem errar, talvez porque lhes falte quem os escute. E, sendo assim, ficam presas num só erro: imaginando sobre os outros, cogitam que quanto mais longe as levam mais fundo se cai. Esquecem que se é feliz quando se pode sentir aquilo que se senteem liberdade. E por isso - não podendo ser risonhas e tímidas, como toda a gente - as pessoas crescidas pareçam cidades adormecidas. Sem se perderem nas horas. Sem romperem com o mundo. Como se, entre todos, nunca nenhum motivo lhes chegasse para chorar. Sim, errar nunca é fácil nem inteligível: é indispensável. Porque são os erros que nos tornam inteligentes. Se os soubermos escutar quando choramos.
Às vezes, imagino o que temos cá dentro como uma grande cidade de gente atarefada mas, agora, como se fossem livros de histórias. Com pernas, um movimento buliçoso e qualquer coisa de irrelevante pela mão. E, às vezes, quando paro, pergunto porque é que tantas histórias, com tanta gente a passear-se nelas, tornam uma grande cidade (que podia ter vasos nas janelas e mansardas e um homem das castanhas, o cheiro da chuva, uma mãe-de-água a namorar num aqueduto e o som do elétrico arranhando nos carris) num muro, mais ou menos pichado, de silêncios. Às vezes, quando páro, imagino que aquilo que falta a todas as histórias que temos cá dentro é quem as escute. Unicamente.
2. Em cada história há pequenos sofrimentos que as complicam.
Há remorsos. Há melindres. Há rancores. Iras e mágoas. E uma mão-cheia de ressentimentos. Eu acho que é por fazer falta quem nos escute, seriamente, que acabamos todos por mentir (que é uma forma de, querendo um abraço, oferecer um empurrão). Mas o pior não é mentir. Mau de verdade é descobrir que aqueles que pomos à distância das nossas verdades não nos resgatem para aquilo que somos, aceitem enredos contrafeitos de nós e adormeçam com eles. Num mundo amigo das pessoas será proibido contar histórias para adormecer. As histórias – as histórias de verdade – espreguiçam-nos. Dão pernas e um movimento buliçoso a quem vivia adormecendo. E abanam os sisudos e os compostos, os que passeiam nos trejeitos e os outros que rompem com quase tudo. Basta que quem as conta nos escute com os olhos! Como se fossemos um livro e quem nos sente o seu autor.
O pior é que nem sempre que se segura um livro se agarra uma história. Quem a agarra diz-nos, primeiro: «Imagina comigo». Logo mais: «Sente como eu sinto». E, de seguida: «Lê-me! Para que eu te leia». É por isso que as histórias acabam por não ser tão importantes. E muito menos esperem por ser lidas. Na verdade, talvez sirvam para nos encontrarmos no que somos, depois de nos perdermos nelas e em quem as conta para nós. Se forem lidas, simplesmente não eram histórias. Seriam atropelos.
3.A Ana acha que a grande vantagem das crianças passa por não precisarem de um motivo para chorar. Não é verdade que as lágrimas das crianças sejam diferentes das nossas. Aquilo que as distingue é que as das crianças são um aqueduto e as nossas são lágrimas, simplesmente. É isso que faz com que as delas, logo que galgam, pareçam livres e rebeldes. E ninguém se preocupe se tagarelam demais ou que, enfim, se sumam.
Às vezes, eu não sei se aquilo pelo que choramos é uma dor. Acho que não. Acredito que magoa mais o mundo, todo junto, saber sempre um pouco mais que nós. Embora não pareça, talvez cada lágrima seja só um aqueduto. Na verdade, não há ninguém que, podendo, ao voltar atrás não fizesse quase tudo doutra forma, talvez porque, por mais que nos custe, é preciso falhar para aprender. A diferença é que ou tomamos o sucesso indispensável, ou aprendemos com os erros e nos tornamos sábios.
Não me parece que as pessoas, à medida que envelhecem, percam talento para aprender. Perdem - acho eu - a capacidade de fazer de cada erro uma mãe-de-água e duma lágrima um aqueduto. Agem como se não pudessem errar, talvez porque lhes falte quem os escute. E, sendo assim, ficam presas num só erro: imaginando sobre os outros, cogitam que quanto mais longe as levam mais fundo se cai. Esquecem que se é feliz quando se pode sentir aquilo que se sente
Eduardo Sá
Fonte:http://www.paisefilhos.pt/index.php/destaque/6416
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