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História a duas mãos


A história foi descoberta na primavera de 2009 no espólio da escritora Sophia de Mello Breyner Andresen. O conto inacabado, que deverá ter começado a aparecer no papel em meados da década de 60 do século passado, despertou a atenção da família, que achou que a história devia ser terminada. Pedro Sousa Tavares, jornalista e neto de Sophia, aceitou o desafio sem hesitações. Deu continuidade às palavras da avó e assim nasceu uma obra única: Os Ciganos
A primeira parte da aventura é de Sophia e está escrita a azul. A segunda é do neto Pedro e surge a preto. As ilustrações são de Danuta Wojciechowska. Os 3000 exemplares com características exclusivas são uma edição especial da Porto Editora. 
É uma história que fala de liberdade, de descoberta, de aventuras. De nós, dos outros. Ruy é a personagem central: um rapaz que vive rodeado de regras e rotinas numa casa que se tornou pequena e que já não lhe parece sua. Até que um dia, o som de um tambor leva-o a saltar o muro do jardim e a descobrir que há outra vida num acampamento de ciganos. E ali fica, bem perto de Gela, a rapariga cigana de olhos de avelã com espírito indomável. Com ela, Ruy descobre o prazer da liberdade, de sentir o chão debaixo dos pés. 

"O original de Sophia de Mello Breyner é interrompido no momento em que a personagem principal, o Ruy, começa a sua aventura. Depois disso, há um pequeno início de capítulo, também escrito pela minha avó, que incorporei na história mais à frente, onde é introduzida a Gela, que será a principal companheira do rapaz naquela aventura. Mas há várias outras personagens criadas por mim", revela Pedro Sousa Tavares ao EDUCARE.PT. O neto de Sophia não hesitou em terminar Os Ciganos, um conto de tantas descobertas. Final feliz? 
Espero que tenha um final surpreendente". 

O conto por acabar não poderia permanecer numa prateleira ou numa gaveta. A filha de Sophia, Maria Andresen de Sousa Tavares, encontrou a história e partilhou o achado. "Quando a família começou a discutir o destino a dar ao manuscrito fui um dos que defenderam que aquela história não só merecia ser partilhada como alguém a deveria terminar. Até me 'atrevi' a dar algumas sugestões sobre o rumo que poderia ser dado à aventura", lembra. "Por isso, quando fui desafiado a assumir essa tarefa, mesmo sabendo que algumas pessoas poderiam não entender essa decisão, as razões para dizer que sim pareceram-me infinitamente superiores às que poderiam levar-me a hesitar", acrescenta o jornalista. 

Os Ciganos nasceram a duas mãos, renasceram a quatro. Pedro Sousa Tavares não quis entrar na cabeça da avó para tentar adivinhar pensamentos ou fios condutores das histórias infantojuvenis. "A continuidade do conto começou a surgir antes de me ocorrer que poderia vir a continuá-lo. Creio que todos os leitores, quando se sentem envolvidos na história, têm tendência para tentar adivinhar o que se passará a seguir. Comigo aconteceu o mesmo: aquele início era tão rico em possibilidades que elas começaram a surgir naturalmente". Na corrente da imaginação. "Não tentei entrar na cabeça da minha avó, até porque não queria cair no erro de tentar parecer-me com ela, mas de certa forma pode dizer-se que o início de Os Ciganos funcionou como um guião", sublinha. 

O jornalista afasta a tentação das comparações. "Não tenho pretensões de me parecer com a minha avó. Ela foi uma das grandes poetisas portuguesas e os seus livros infantis são lidos e relidos há várias gerações. Eu sou um jornalista que terminou uma história da melhor forma que soube. Da minha avó, mas também do meu pai e do meu avô, herdei o prazer da escrita. Gosto de escrever. E provavelmente continuarei a fazê-lo, de uma forma ou outra, para o resto da vida", refere. 

É sempre difícil falar do próprio trabalho. Pedro Sousa Tavares admite que há óbvias diferenças de estilo entre si e a avó. Ficará contente se o conto for lido e apreciado como um todo. "Terei uma dívida de gratidão eterna, não só à minha tia como ao meu pai e a todos os filhos de Sophia, por terem acreditado que faria por merecer a fé que depositaram em mim. E essa dívida é extensível à Porto Editora, que não só me transmitiu confiança como me apoiou em todas as fases do processo, ajudando-me a superar as minhas fragilidades. Não posso esquecer a Danuta Wojciechowska, por ter aceite ilustrar o livro e pela forma extraordinária como o fez".

Pedro Sousa Tavares ainda está a desfrutar da história de Os Ciganos. Valeu a pena? "Valeu a pena pela aventura e continua a valer a pena pelo interesse que o livro está a despertar, prova de que Sophia de Mello Breyner continua bem viva, que continua a ser amada por várias gerações de portugueses. Só essa constatação, que veio confirmar o que já pensava, já justificou os possíveis riscos", responde. E haverá mais histórias e aventuras no futuro? "Honestamente, não sei se esta foi uma experiência única ou se poderá ser retomada no futuro. Se um dia alguém acreditar que uma das minhas ideias tem potencial, talvez a tente concretizar", diz. 

Sophia de Mello Breyner Andresen tem uma obra premiada e traduzida em várias línguas. Autora de livros de poesia, contos, histórias para crianças, artigos, ensaios, teatro. Recebeu o Prémio Camões em 1999, o Prémio Poesia Max Jacob em 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana. Faleceu em julho de 2004. Pedro Sousa Tavares é jornalista desde 1998. Estudou Tradução e tem uma formação no Centro Protocolar de Formação de Jornalistas (Cenjor). Neste momento, trabalha no Diário de Notícias na secção de Sociedade. Há cerca de 17 anos, ajudou a escrever uma enciclopédia em fascículos. Em criança, ganhou livros da Disney com uma pequena história apresentada num concurso por correspondência.

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