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Urbano Tavares Rodrigues. O escritor e o cidadão


Escrevia sempre. Inevitável e avidamente. Urbano Tavares Rodrigues tinha a "ânsia" de escrever e de viver. E nele dificilmente se poderia separar a vida e a obra, como adiantava ao JL, em 1993, quando saiu o seu romance Deriva: "A escrita é sempre autobiográfica, assim como a biografia não deixa de ser romanesca".
Uma ideia que já afirmava ao JL  em 1991: "Boa parte da minha obra é projeção da minha vida. Não no sentido biográfico, mas naquele em que espelha preocupações, angústias, esperanças, formas de estar no mundo (...) As minhas grandes opções e as minhas grandes rejeições marcaram inegavelmente o que escrevi".
Noutra das muitas entrevistas que ao correr do tempo deu ao JL, onde de resto colaborou desde o primeiro número, por ocasião da publicação de Nunca Diremos Quem Sois, em 2002, ano em que celebrou meio século de vida literária, distinguida com o Prémio APE em 2003, Urbano sublinhava mesmo a  importância vital da Literatura: "Para o meu equilíbrio fazem-me falta duas coisas, quase como respirar: ler e escrever".
O amor, a morte e a solidariedade social foram, ao correr de seis décadas, os três pilares temáticos da sua ficção, que se desdobrou em romances, novelas e contos. Ao todo, somando ainda o ensaio, a crítica, os livros de viagens, são quase uma centena de títulos publicados, a que se acrescentará ainda um livro póstumo, Nenhuma Vida. Escrito no princípio deste verão, constitui uma espécie de testamento literário, a sair no final do ano na D. Quixote, que está a editar as obras completas do escritor. Com essa publicação a editora pretendia assinalar os 90 anos de Urbano, que completaria a 6 de dezembro se a morte não tivesse chegado primeiro, na madrugada do passado dia 9 de agosto. Parou-lhe o coração. E tinha-o grande. 
Não foram poucas as vezes em que a uma afronta respondeu com um murro direto - praticou boxe e natação, fazia ainda umas 20 piscinas já com 70 anos -, mas apesar do temperamento impetuoso, Urbano era acima de tudo um homem gentil, de uma enorme generosidade e coragem, com uma "costela de comunista e outra de franciscano", como disse certa vez. Uma condição que também transparece na sua obra. Era um escritor amável, mesmo quando a sua literatura era de "combate".
"Não tenho qualquer fé religiosa, sou um homem do Iluminismo, um livre-pensador. Sinto, porém, a Natureza como divina, numa renovação permanente de que fazemos parte, como os animais e as plantas", afirmou ao JL, em 2007, altura em que celebrou os 55 anos de publicação do primeiro livro, A Porta dos limites, de 1952. "Penso que não vamos para nenhum céu ou inferno, mas alguma energia se liberta dos seres que vão morrendo. É como uma cadeia, vamos sendo substituídos, mas alguma coisa fica". Dele ficará  uma  esfusiante energia criativa, a grandeza ética de uma vida exemplar, tanto no domínio da Literatura, como na docência universitária, no jornalismo e na intervenção política e de cidadania. 
 Fiel a si próprio
"Vivi muito", reconheceu, numa das últimas conversas. Na proporção direta, naturalmente escreveria muito. A certa altura, à média de um livro por ano, um ritmo só afrouxado após o 25 de Abril, porque a Revolução impunha outras prioridades. E ao correr dos tempos, a sua veia ficcional pulsou mais existencialista nos primeiros livros, como é o caso de A Noite Roxa, interventiva como em Os Insubmissos, e sempre com um mesmo cuidado estético, de que é exemplo Bastardos do Sol, o seu livro mais vendido, 80 mil exemplares. "Enfim, eu sou tudo isso: existencialista, até surrealista, realista social... E onírico", afirmava ao JL na referida entrevista de 2007. "Mas, além de tudo isso, sou eu próprio: um escritor que tentou sempre escrever o seu livro, o seu grande livro, e achando que ainda não era aquele. Fui sempre escrevendo mais, com a preocupação de não me repetir".
Urbano Tavares Rodrigues nasceu em Lisboa em 1923, mas seria batizado já em Moura, onde passou a infância, na herdade do pai, Urbano Rodrigues, o Monte da Esperança, a 5 quilómetros, uma propriedade que mais tarde, tal como o irmão, o jornalista Miguel Urbano Rodrigues, doou ao Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas de Beja. Só deixou essa sua "pátria", como costumava dizer, aos 10 anos para  estudar em Lisboa, no Liceu Camões e depois na Faculdade de Letras, onde se licenciou em Filologia Românica, em 1949.
Da infância alentejana ficou-lhe, como disse ao JL, "um paraíso, depois perdido, a que sempre quis voltar. E a descoberta ainda da miséria, do povo".
Se cedo despertou o seu sentido literário, porque a casa dos pais era cheia de livros e começou a ler tudo o que apanhava à mão, precoce foi também a sua consciência da desigualdade e da injustiça. Na faculdade, com Augusto Abelaira e David Mourão-Ferreira, liderou uma greve académica em 1947 e alguns anos mais tarde integrou-se nas Juntas de Ação Patriótica. Estaria ligado à revolta da Sé e ao assalto ao Quartel de Beja, participando ativamente na luta contra o fascismo, ajudando mesmo a 'passar' muitos clandestinos que transportava até à fronteira no seu próprio carro. Foi preso e torturado várias vezes, a primeira das quais em 1963. Durante uma prisão em 1968, escreveu Contos de Solidão, usando papel higiénico e um aparo de mina, porque tudo lhe tinha sido retirado. Em 1969, aderiu ao Partido Comunista Português, de que foi militante até à morte. Considerava-se um "comunista humanista".
Ainda na faculdade, começou a trabalhar como jornalista no Diário de Notícias. E mal concluiu a licenciatura, com uma tese sobre Manuel Teixeira Gomes, que seria a sua primeira obra publicada, foi como leitor de português para Montpellier. Ficaria em França até 1955, tendo sido assistente universitário, primeiro em Aix-en-Provence, depois na Sorbonne em Paris. Nesse período de "grande felicidade", que viveu com a primeira mulher, a escritora Maria Judite de Carvalho, mãe da sua filha Isabel Fraga, também escritora, Urbano conheceu Malraux, Aragon, Duras e Camus, de quem foi amigo. Deu conta dessa vida parisiense em trabalhos para o Diário de Lisboa. Estava em França quando saiu o seu primeiro romance, A Porta dos Limites, que teve desde logo uma crítica muito favorável de Gaspar Simões, embora tenha sido classificado imoral por outros críticos.
De regresso a Portugal, deu aulas no Camões e em 1957 foi convidado por Vitorino Nemésio a lecionar Literatura Francesa e Portuguesa na Faculdade  de Letras de Lisboa. Porém, o seu envolvimento na campanha de Humberto Delgado, em 1958, valeu-lhe a expulsão do ensino. Só depois do 25 de Abril regressaria à Universidade de Lisboa para ensinar, uma tarefa de que gostava muito pela possibilidade de "ajudar os outros" e "transmitir" o conhecimento. Foi catedrático, um professor amado pelos alunos, e fez o seu doutoramento já na casa dos 60, em 1983, com uma tese de novo sobre Teixeira Gomes.
Foi jornalista ainda em O Século, onde começou por fazer crítica de teatro, no Jornal do Comércio ou no antigo Artes e Letras, que chefiou durante um curto período. Só abandonaria o jornalismo em 1975, impedido de lecionar no ensino público, foi professor do Colégio Moderno e do Liceu Francês e trabalhou numa agência de publicidade do irmão Jorge Rodrigues. Traduziu, prefaciou e apresentou inúmeras obras e autores, outra face do seu amor à literatura e do respeito aos outros escritores.
Uma Pedrada no CharcoTerra OcupadaDissoluçãoAs Pombas são VermelhasAs Aves da MadrugadaA Vaga de CalorImitação da FelicidadeVioleta e a NoiteFilipa nesse Dia, são outros dos seus livros de referência.
De uma vida longa e cheia de lutas, livros, amores, viagens, grandes causas e pequenas coisas, disse que gostaria de deixar a lição da tolerância. Foi isso que ainda quis transmitir ao seu filho, do segundo casamento com a psiquiatra Ana Maria Santos, António Urbano, com apenas sete anos, a quem deixou como herança uma carta para abrir quando tiver dez. E ao JL fez há uns anos um balanço do vivido: "O essencial, por um lado, é o sentimento de perdurar através dos meus livros, de não morrer completamente. E também o de, entre ventos e tempestades, interrogações, incertezas, angústias, ter-me mantido sempre fiel ao mais profundo de mim próprio".

Fonte:http://visao.sapo.pt/urbano-tavares-rodrigues-1923-2013-o-escritor-e-o-cidadao=f746254



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