– Como seria se tu fosses um gato?
– Se eu fosse um gato…
A resposta à pergunta com que se inicia a história de Paloma Sánchez Ibarzábal abre um leque de divertidas possibilidades que dão origem a este engraçado álbum (e ao seu título).
Em muitas histórias, os protagonistas são animais antropomórficos: comportam-se, vestem-se e atuam como se fossem seres humanos. Contudo, neste conto inverte-se a situação e coloca-se uma pessoa do outro lado do espelho.
Neste caso, a transformação também não é produto de um feitiço, tal como acontece em muitas histórias em que os protagonistas são príncipes ou princesas transformados em sapos, veados, cisnes...
Se eu fosse um gato é uma proposta divertida, uma espécie de jogo, que permite tomar consciência da realidade (vivências, emoções, necessidades...) do outro com o objetivo último de o entender melhor.
“Põe-te no meu lugar”, costumamos apelar para facilitar a compreensão das nossas decisões ou comportamentos. Não há dúvida de que a melhor forma de conhecer o outro é através do que comummente – e de modo figurado – chamamos “pôr-se na sua pele”. Às vezes reprovamos com um “eu não faria isso”, acreditando erroneamente que aquilo que está (ou não) bem para nós também está indiscutivelmente para os outros. O conto de Paloma Sánchez Ibarzábal recorda-nos que nem todos nos divertimos com o mesmo e adverte-nos da possível injustiça que podemos estar a cometer quando damos isso por adquirido.
Assim, se fôssemos um gato, não iríamos gostar que nos pusessem laços para nos demonstrarem o quanto gostam de nós; preferíamos que nos fizessem cócegas na barriga!
De igual modo, conhecer e aceitar as diferenças do outro torna-nos mais tolerantes face aos comportamentos afastados dos nossos: tal como procurar no lixo – e não numa loja – o melhor presente para a nossa melhor amiga ou preferir perseguir ratos do que ir ao cinema, ao teatro ou ao circo.
Ao mesmo tempo, esta história revela-nos que aquilo que torna o outro diferente pode ser toda uma virtude ou vantagem que todos desejaríamos.
Assim, um gato não tem medo da noite (e poderia caçar todos os nossos fantasmas) e é um dos animais mais fiéis: Se eu fosse um gato, não poderíamos ir juntos à escola por mais que tu chorasses. Mandar-me-iam embora assim que pusesse uma pata na sala de aula. (Mas ficaria sempre à tua espera junto à porta).
Em qualquer caso, os verdadeiros afetos estão acima de gostos, hábitos ou preferências culinárias: Se eu fosse um gato, há uma coisa que não mudaria: seria sempre teu amigo!
As ilustrações de Anna Llenas reforçam o caráter divertido e amável do conto com personagens engraçadas e ternas. Muitas delas não aparecem no relato textual de Paloma Sánchez Ibarzábal, como o caricato e inseparável rato que acrescenta um tom divertido e afetivo à história com que a ilustradora se identificou desde o princípio: “Quando me entregaram o projeto fiquei muito contente. Por uns dias poderei pôr-me na pele dos meus gatinhos – pensei eu”.
No começo de um trabalho esta artista gosta de se familiarizar com as personagens, pondo-as em diferentes situações e “compromissos” que o texto sugere e outros novos... “é uma forma de abordar e de me pôr no papel da personagem”, esclarece. Neste caso, este estudo de situações pode-se confirmar nas páginas de guarda do livro.
A técnica utilizada foi a da colagem com papéis e cartões pintados previamente em acrílico. Desta forma, dá volume ao desenho plano com o objetivo de que se perceba a rusticidade do material.
Para este trabalho aproveitou recortes de caixas de transporte, de cereais, embalagens... para compor a ilustração tipo diorama ou cenário teatral.
O resultado é uma colagem muito volumétrica na qual se percebe a grossura, os pormenores e a textura do material utilizado como base. Por outro lado, as cenas têm fundos simples, nada carregados, “que deixam espaço aberto a que o leitor entre, mexa, toque e complete a história com a sua própria imaginação”, conclui a artista.
Texto de Paloma Sánchez Ibarzábal
Ilustrações de Anna Llenas
Editora OQO
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