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Grande Ary

Temos a obrigação de manter o Ary vivo...
Caminharemos de olhos deslumbrados 
E braços estendidos 
E nos lábios incertos levaremos 
O gosto a sol e a sangue dos sentidos. 

Onde estivermos, há-de estar o vento 
Cortado de perfumes e gemidos. 
Onde vivermos, há-de ser o templo 
Dos nossos jovens dentes devorando 
Os frutos proibidos. 

No ritual do verão descobriremos 
O segredo dos deuses interditos 
E marcados na testa exaltaremos 
Estátuas de heróis castrados e malditos. 

Ó deus do sangue! deus de misericórdia! 
Ó deus das virgens loucas 
Dos amantes com cio, 
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas, 
Unge os nossos cabelos com o teu desvario! 

Desce-nos sobre o corpo como um falus irado, 
Fustiga-nos os membros como um látego doido, 
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados, 
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro. 

Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos, 
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas, 
Atapeta de flores a estrada que seguimos 
E carrega de aromas a brisa que nos toca. 

Nus e ensanguentados dançaremos a glória 
Dos nossos esponsais eternos com o estio 
E coroados de apupos teremos a vitória 
De nos rirmos do mundo num leito vazio. 


Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'




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