Avançar para o conteúdo principal

Grande Ary

Temos a obrigação de manter o Ary vivo...
Caminharemos de olhos deslumbrados 
E braços estendidos 
E nos lábios incertos levaremos 
O gosto a sol e a sangue dos sentidos. 

Onde estivermos, há-de estar o vento 
Cortado de perfumes e gemidos. 
Onde vivermos, há-de ser o templo 
Dos nossos jovens dentes devorando 
Os frutos proibidos. 

No ritual do verão descobriremos 
O segredo dos deuses interditos 
E marcados na testa exaltaremos 
Estátuas de heróis castrados e malditos. 

Ó deus do sangue! deus de misericórdia! 
Ó deus das virgens loucas 
Dos amantes com cio, 
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas, 
Unge os nossos cabelos com o teu desvario! 

Desce-nos sobre o corpo como um falus irado, 
Fustiga-nos os membros como um látego doido, 
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados, 
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro. 

Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos, 
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas, 
Atapeta de flores a estrada que seguimos 
E carrega de aromas a brisa que nos toca. 

Nus e ensanguentados dançaremos a glória 
Dos nossos esponsais eternos com o estio 
E coroados de apupos teremos a vitória 
De nos rirmos do mundo num leito vazio. 


Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'




Comentários

Mensagens populares deste blogue

A menina que queria ser maça

Quando perguntaram a Joaninha o que é que ela queria ser quando fosse grande (há sempre um dia em que um adulto nos faz essa pergunta), ela não hesitou: - Quando for grande quero ser maçã! Disse aquilo com tanta convicção que a mãe se assustou: - Maçã? A maior parte das crianças quer ser:  a)  astronauta  b)  médica/o  c) corredor de automóveis  d)  futebolista  e)  cantor/a  f)  presidente. Há algumas respostas mais originais: «Quero ser solteiro», confessou o filho de uma amiga minha. Conheço uma menininha que foi ainda mais ambiciosa: - Quando for grande quero ser feliz. Mas maçã? Joaninha, meu amor, maçã porquê? A pequena encolheu os ombos: «são tão lindas». Passaram-se os anos e a mãe pensou que ela se tinha esquecido daquilo. Mas não. No dia em que entrou para a escola a professora fez a todos os meninos a mesma pergunta: - Ora vamos lá a saber o que é que vocês querem ser quando forem grandes... Astronaut...

A Princesa do Dia e o Príncipe da Noite

As delicadas ilustrações de Lisbeth Renardy acompanham esta bonita história da escritora francesa Adeline Yzac que, com ritmo e magia, nos fala de amor, dicotomias, ciclos, solidão e imaginação… e de como as histórias trazem alegria ao mundo. Este livro dirigido ao público infantil conta a história do reino do Dia, onde o Sol nunca se punha, e do reino da Noite, onde o Sol não nascia nunca. O amor, porém, ultrapassa todas as barreiras temporais e espaciais, e eis que a Princesa do Dia e o Príncipe da Noite se apaixonam um pelo outro. Para poderem viver felizes para sempre, como nas histórias, é preciso encontrar uma solução… da noite para o dia. Um livro (editado pela Livros Horizonte) que integra o Plano Nacional de Leitura. Autoria  Lisbeth Renardy   Livros Horizonte

Poema da Auto-estrada

Ontem tive o prazer e ouvir este poema pelas vozes de cinco alunas da Escola Secundária de Arganil.  Foi tão bom, tão bom, que hoje andei o dia todo com este poema na cabeça ;)) Aqui vai o poema da Auto- Estrada... Voando vai para a praia Leonor na estrada preta. Vai na brasa, de lambreta. Leva calções de pirata, vermelho de alizarina, modelando a coxa fina, de impaciente nervura. como guache lustroso, amarelo de idantreno, blusinha de terileno desfraldada na cintura. Fuge, fuge, Leonoreta: Vai na brasa, de lambreta. Agarrada ao companheiro na volúpia da escapada pincha no banco traseiro em cada volta da estrada. Grita de medo fingido, que o receio não é com ela, mas por amor e cautela abraça-o pela cintura. Vai ditosa e bem segura. Com um rasgão na paisagem corta a lambreta afiada, engole as bermas da estrada e a rumorosa folhagem. Urrando, estremece a terra, bramir de rinoceronte, enfia pelo horizonte como um punhal que se enterra. Tudo...