Herberto Helder publica Servidões
Chega na segunda-feira às livrarias, com a chancela da Assírio & Alvim, do grupo Porto Editora, um novo livro de Herberto Helder, Servidões, que reúne largas dezenas de poemas inéditos. A notícia foi avançada nesta terça-feira pelo grupo Porto Editora, que presumivelmente obedeceu aos desejos do autor ao só anunciar agora a existência do livro e ao dispensar qualquer sessão de lançamento.
Tal como os anteriores títulos de Herberto Helder, Servidões não será reeditado autonomamente, embora seja de admitir que venha a integrar uma próxima edição de Ofício Cantante, a sua poesia completa. Dado que a tiragem deste novo livro não excederá os cinco mil exemplares, tudo indica que terá o mesmo destino de A Faca Não Corta o Fogo, de 2008, que se esgotou num mês.
A primeira impressão que Servidões provoca em quem acabou de ler o livro talvez se deixe dizer melhor numa expressão inglesa: he did it again. Mais uma vez, depois de a energia e a capacidade de inovação de A Faca Não Corta o Fogo terem assombrado os que não julgavam possível uma tal voltagem poética num autor de 80 anos, Herberto Helder repete o milagre.
Servidões abre com um texto em prosa construído a partir de três textos anteriores: o mais antigo aparecia a abrir Edoi Lelia Doura, a “antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa” que o autor organizou em 1985, e os restantes tinham surgido respectivamente na publicação brasileira Cult e na Telhados de Vidro, a revista da editora Averno. É significativo que Herberto Helder tenha querido iniciar este livro com um texto marcadamente autobiográfico, que começa com a sua infância na Madeira, povoada de “visões” e “vozes” que terão contribuído para selar precocemente o seu destino de poeta, e não por acaso de um poeta que acredita, sem ironia, nos poderes da poesia, como outrora, em criança, acreditou nas “enigmáticas figuras” de animais que a seiva das bananeiras deixava na lâmina de uma faca, ou nos raios que atingiriam os espelhos se não houvesse a prudência, “em tempo de trovoadas”, de os cobrir com lençóis.
O texto termina com esta passagem: “Cumprira-se aquilo que eu sempre desejara – uma vida subtil, unida e invisível que o fogo celular das imagens devorava. Era uma vida que absorvera o mundo e o abandonara depois, abandonara a sua realidade fragmentária. Era compacta e limpa. Gramatical”.
Nada de muito diferente do que há muito escrevera num texto hoje recolhido em Photomaton & Vox: “(...) As pessoas perdem o nome, as coisas limpam-se, cessam a fuga do espaço e o movimento dispersivo do tempo. Fica um núcleo cerrado. Fico eu.” Mas é verdade que se sente em Servidões, talvez mais do que noutros livros do autor, um certo desejo de revelar, de esclarecer, talvez de corrigir leituras exteriores que lhe terão parecido equívocas. Não se trata nunca, note-se, de propor a sua própria leitura da obra, mas antes de tentar aclarar a natureza do trajecto de que ela é a face visível.Este é também um livro em que Herberto Helder vai mais longe do que nunca na sua determinação de sair da literatura, de desprezar todo o ornamento. E o livro parece ir acelerando, até atingir, em muitos dos poemas finais, uma violenta energia: “dá-me o êxtase infernal de Santa Teresa de Ávila/ arrebatada ar acima num orgasmo anarquista,/ a ideia de paraíso é apenas um apoio/ para o salto soberano,/ não um inferninho brasileiro com menininhas de programa,/ púberes putinhas das favelas,/ mas o inferno complexo onde passeia a Beatriz das drogas duras,/ um inferno à medida de cada qual dificílimo (...)”.
Tal como os anteriores títulos de Herberto Helder, Servidões não será reeditado autonomamente, embora seja de admitir que venha a integrar uma próxima edição de Ofício Cantante, a sua poesia completa. Dado que a tiragem deste novo livro não excederá os cinco mil exemplares, tudo indica que terá o mesmo destino de A Faca Não Corta o Fogo, de 2008, que se esgotou num mês.
A primeira impressão que Servidões provoca em quem acabou de ler o livro talvez se deixe dizer melhor numa expressão inglesa: he did it again. Mais uma vez, depois de a energia e a capacidade de inovação de A Faca Não Corta o Fogo terem assombrado os que não julgavam possível uma tal voltagem poética num autor de 80 anos, Herberto Helder repete o milagre.
Servidões abre com um texto em prosa construído a partir de três textos anteriores: o mais antigo aparecia a abrir Edoi Lelia Doura, a “antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa” que o autor organizou em 1985, e os restantes tinham surgido respectivamente na publicação brasileira Cult e na Telhados de Vidro, a revista da editora Averno. É significativo que Herberto Helder tenha querido iniciar este livro com um texto marcadamente autobiográfico, que começa com a sua infância na Madeira, povoada de “visões” e “vozes” que terão contribuído para selar precocemente o seu destino de poeta, e não por acaso de um poeta que acredita, sem ironia, nos poderes da poesia, como outrora, em criança, acreditou nas “enigmáticas figuras” de animais que a seiva das bananeiras deixava na lâmina de uma faca, ou nos raios que atingiriam os espelhos se não houvesse a prudência, “em tempo de trovoadas”, de os cobrir com lençóis.
O texto termina com esta passagem: “Cumprira-se aquilo que eu sempre desejara – uma vida subtil, unida e invisível que o fogo celular das imagens devorava. Era uma vida que absorvera o mundo e o abandonara depois, abandonara a sua realidade fragmentária. Era compacta e limpa. Gramatical”.
Nada de muito diferente do que há muito escrevera num texto hoje recolhido em Photomaton & Vox: “(...) As pessoas perdem o nome, as coisas limpam-se, cessam a fuga do espaço e o movimento dispersivo do tempo. Fica um núcleo cerrado. Fico eu.” Mas é verdade que se sente em Servidões, talvez mais do que noutros livros do autor, um certo desejo de revelar, de esclarecer, talvez de corrigir leituras exteriores que lhe terão parecido equívocas. Não se trata nunca, note-se, de propor a sua própria leitura da obra, mas antes de tentar aclarar a natureza do trajecto de que ela é a face visível.Este é também um livro em que Herberto Helder vai mais longe do que nunca na sua determinação de sair da literatura, de desprezar todo o ornamento. E o livro parece ir acelerando, até atingir, em muitos dos poemas finais, uma violenta energia: “dá-me o êxtase infernal de Santa Teresa de Ávila/ arrebatada ar acima num orgasmo anarquista,/ a ideia de paraíso é apenas um apoio/ para o salto soberano,/ não um inferninho brasileiro com menininhas de programa,/ púberes putinhas das favelas,/ mas o inferno complexo onde passeia a Beatriz das drogas duras,/ um inferno à medida de cada qual dificílimo (...)”.
Embora a proximidade da morte seja um tópico recorrente em Servidões, nem há aqui melancolia alguma, nem o corpo que se lê nestes poemas dá grandes sinais de decadência física. Mas a verdade é que nenhum corpo real, tivesse ele 30 ou 80 anos, pôde alguma vez plausivelmente corresponder à energia sexual desta escrita. O que é realmente digno de assombro não é tanto isso, é um cérebro de 82 anos ser capaz desta intensidade criativa.
Fonte:http://www.publico.pt/cultura/noticia/herberto-helder-publica-servidoes-1595214
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